sábado, 20 de outubro de 2007

Lucas, o Grande.


Hoje darei continuidade ao tema “Personagens que habitam meu cotidiano momentâneo”. Na verdade o tema não existe e o nome foi criado nesse exato momento. Mas isso é irrelevante. O que realmente importam são as pessoas, eu e vocês...

Pois bem, mais um para a galeria do restaurante l’Arnsbourg. Lucas tem 17 anos, é austríaco e estagiará por um ano aqui. No quesito idioma, ficamos na mesma pois até onde sei na Áustria se fala alemão. E, a língua alemã, já estou cansado de ouvir diariamente. Falar, só Danke(obrigado) e Guten Tag(bom dia). Seus aproximadamente 1,80m estão espalhados por uma infinidade de centímetros quadrados. Sua grandiosidade é maior no trato com as pessoas. Uma criança ainda e, como todas elas, com um coração bom. Sempre sorridente, mesmo quando trabalha em seu ritmo slowmotioniano. Talvez por ser novo, talvez por ter chegado agora... não sei. Só tenho duas certezas sobre ele: após um ano de estágio em Arnsbourg ele se tornará mais ágil e cumprirá sua meta em aprender mais sobre o mundo gastronômico.

Seu pai é Markus Mraz, Chef de Cuisine e proprietário do Restaurante Mraz & Sohn, em Viena, na Áustria. Para saber mais sobre o restaurante:


A outra certeza é que após esse mesmo ano, ele continuará esbanjando sua robustez , pois dá gosto em ver o jovem rapaz sentar-se à mesa para se alimentar e sumir por detrás do prato... Ave, Lucas, o Grande...

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Wine & Fooding Party

Segunda-feira, 15 de Outubro de 2007

“...acordei por volta de 11 da manhã. Não fosse o desvio padrão de 15 minutos pra mais ou pra menos, diria que acordo pontualmente no momento em que minhas costas começam a doer, fruto de um colchão de molas que só os franceses conseguem usar”.

Toda segunda-feira é igual. Levanto-me, desço e tomo uma ducha. Subo e dou uma enrolada até 11:30h que é o momento de almoçar. Depois do almoço retorno ao meu quarto e invento situações, afazeres, pesquisas, leituras, qualquer coisa para ocupar minha mente, durante todo o dia. Isso porque o restaurante ainda está funcionando na segunda, o que limita consideravelmente meu trânsito no mesmo. É claro que não serei exageradamente louco para afirmar que vivo segundo a Teoria da Caverna de Platão. Mas posso muito bem dar um upgrade nessa teoria e dizer que habito uma caverna um pouco mais confortável, viável e tecnologicamente dizendo (na verdade, infinitamente mais, tudo). O restaurante fica no meio da floresta dos Vosges, eu não tenho carro, as duas cidadezinhas mais próximas ficam a 5 e 6km e, nos fins de semana, todos vão para suas casas, ficando aqui só eu, Mariana, Lucas, o estagiário austríaco e Kasuma, o estagiário japonês. É a velha rotina assombrando-me novamente, a cada dia, a cada segundo(a)...

Porém, essa segunda foi diferente. Como de hábito, a dor nas costas me despertou. De imediato disse bom dia pra ela e continuei deitado por mais ou menos uns dez minutos. O frio exterior cortava a fresta da janela e decrescia ainda mais a temperatura dentro do meu quarto (meu aquecedor insiste em não querer funcionar). Pensei comigo mesmo: “Ô ventim baum; pode vim qui tô dibaixo das cuberta!!!)... Desci para o banho e contribui para um aumento da conta de luz do Chef Klein em, pelo menos, uns 0,5%. Foram 20 minutos bem relaxados debaixo de 38 graus precisamente colocados. Já devidamente vestido e de barba feita, desci para almoçar: um Trançado de Peixes (filezinhos de salmão e peixe branco), Creme Azedo e Arroz Negro Selvagem, devidamente temperados. O repasto habitual de segunda transformara-se num ritual, verdadeiramente como devem ser todas as nossas refeições. Já no quarto, releguei a habitual internet e resolvi fazer a sesta...

Já são 15:30h e dou a última checada nos pertences que coloco na mochila. Uniforme, sapatos novos de cozinha que comprei (preciso impressionar o Chef), câmara fotográfica, ok...

Saio da cozinha e vejo Geremy, Pascal e Louis literalmente entupindo o carro do Chef Klein. Na mesma hora pensei na volta. Quando chegarmos, por volta da meia-noite, todo o pessoal da cozinha já partiu e apenas existirá em Arnsbourg eu e Geremy para descarregar tudo aquilo que, magicamente, foi acoplado dentro de uma Mercedes-Benz, classe M. Apesar de não estar ganhando nada para fazer a propaganda, coloco abaixo o link da dita-cuja, para os amantes de automóveis e para entenderem o meu desespero:

http://www.mercedes-benz.com.br/hotsite/classem/default.asp

Mas o dia é perfeito e nada me abala nesse instante. Termino de descer as escadas e participo do processo de colocar uma cozinha inteira dentro de um veículo.

A viagem até Strasbourg foi muito agradável (75km em 30 minutos só em lugares que possuem estradas asfaltadas de verdade!!! Ô, meu Brasil, são nessas horas que eu não sinto falta de você...). Apenas um comentário, en passant, sobre a ida: Num semáforo qualquer, em Hagueneau (uns 30km de Arnsbourg), quase promovemos um repas no meio do asfalto. Chef Klein, devaneando seu olhar pela paisagem do entorno, esqueceu-se de parar o carro no sinal. Faltando uns 20 metros para a inevitável colisão com o primeiro veículo parado, ele percebeu o devaneio e freou, tranquilamente, como se estivesse fazendo a montagem de um prato para ser servido ao Presidente da França... Numa sutileza que só os freios da Mercedes nova poderiam nos confortar... Foram 19 metros de frenagem suave, em contraponto a toda carga que veio de trás para cima de todos nós (eu estava no banco de trás e tomei um ligeiro encontrão de uma das estufas). Imediatamente, Chef klein muda de rádio, tirando qualquer coisa que tocava e que o deixara no estado citado, para passarmos a ouvir (e que martírio foi, viu!!!) um talk-show vespertino de sucesso entre os franceses, fazendo piadinhas e comentando sobre a Copa do Mundo de Rugby que acontece, atualmente, na França. Nunca amei tanto uma estrada francesa em ótimas condições e um estilo de dirigir docemente agressivo do Chef, pois chegamos rápido em Strasbourg e fiquei livre daquela estação de rádio.

Voilá!!!!!! Strasbourg... Civilização... Tráfego... Pessoas diferentes!!!!!!! Acho que preciso rever meu conceito sobre minha caverna...



Chegamos ao L'IMPRO TNS - LE CAFÉ DU TNS. TNS é o Théâtre National de Strasbourg, um dos três locais que abrigariam o evento do dia : Wine & Fooding Party – AOC Corbières*.

Para saber mais sobre o evento Wine & Fooding Party...

http://lefooding.com/evenements/2007/wine-and-fooding-party-strasourg.htm

*AOC Corbières – Vinho com Apelação de Origem Controlada, proveniente da região de Corbières (Sul da França).

Para saber mais sobre AOC :

http://guiadasemana.uol.com.br/noticias.asp?ID=2&cd_news=2335

http://www.ambafrance.org.br/abr/imagesdelafrance/vinhos.htm

Para saber sobre os AOC – Corbières :

http://www.aoc-corbieres.com/

O evento começaria no TNS, às 19h, onde apresentariamos aos convidados os dois pratos do Chef Klein : Terrine de Foie Gras et Absinthe et Chutney aux Figues ; Cappuccino de Pommes de Terre et Munster. Depois os convidados iriam para os dois locais seguintes, degustar pratos dos Chef’s Christine Ferber e Eric Girardin.

Para saber mais sobre Christine Ferber...

http://www.google.com/search?hl=pt-BR&q=Christine+Ferber&lr=

http://francoissimon.typepad.fr/simonsays/2007/10/christine-ferbe.html

Para saber mais sobre Eric Girardin, proprietário do Restaurante La Casserole, em Strasbourg...

http://carottescuites.canalblog.com/archives/2007/04/20/4485375.html



Geremy, Chef Klein e Eu... Les Trois Mosquetières



400 convidados significam 400 terrines e 400 cappuccinos. Chef Klein encarregou-se de servir os cappuccinos (era só usar as 10 garrafas-bomba de ar comprimido 400 vezes e pronto!!! Mesmo para um Chef, isso não é nada!!!) enquanto que Geremy servia as terrines, ao mesmo tempo em que preparava as toasts que acompanhavam as terrines (era só falar Bonsoir Madame, bonsoir monsieur, esticar o braço, entregar o prato e virar e colocar torradinhas no forno pra esquentar; tranquilo!!!). Portanto, quem ficou na cozinha, montando 400 pratos de terrines? Bien Sûre!!! Moi-même...


Pela foto vocês percebem que são várias etapas para ficar pronto o prato. Primeiro coloca-se a terrine no centro, depois o chutney de figos do lado inferior direito. Após isso coloca-se o enfeite sobre a terrine (oops, esqueci o nome da erva). Terminado tudo isso, leva-se a montagem pro freezer para refrigerar todos os três. Depois retira-se do freezer, acrescenta o Yaourt Crispy (umas pedrinhas brancas de iogurte). Detalhe, só cabiam 64 pratos no freezer. Portanto, agora tínhamos um problema sério para resolver. E faltava apenas uma hora pro evento começar. A saída foi deixar refrigerando os primeiros 64 pratos e já começar a montar o que coubesse sobre as duas bancadas disponíveis na micro-nano-cozinha do café. Consegui montar 138 pratos até as 7 da noite.

Parei para descansar um minuto e fui surpreendido pelo Chef Klein, que adentrou à minha cozinha sem pedir licença ou mesmo bater à porta!!! “Chef Lutcho, une bière pour vous...” Hahahahahahaha... depois disso, como falamos na gíria futebolística: entrei com bola e tudo e corri pro abraço!!!



Das 19 às 21h, 400 terrines bem montadas foram consumidas num piscar de olhos, assim como as fiz...

Ao todo, 3 long-necks de Leffe (cerveja belga com 6,5% álcool) e 4 taças de Pêcheur (cerveja alsaciana) contribuiram para minha desenvoltura e eficácia no trabalho. Geremy também foi agraciado com algumas cervejas. Depois é que fomos descobrir o motivo de tanta benevolência do Chef Klein. Ele também adora degustar uma loira e a fez com bastante veemência após o evento. Nada mais que 3 taças em 10 minutos no tempo em que eu e Geremy gastamos para desmontar tudo e colocar no carro.



Num último instante, eu e Geremy, satisfeitos pelo trabalho bem cumprido; e um pouco cansados também. Mas se a estória terminasse por aqui, tudo bem...



Eis que Chef Klein resolve dar uma passadinha em um dos dois outros pontos do evento, onde era a Chef Christine Ferber quem estava oferecendo os pratos para degustação. Aí, meu caro leitor, eu e Geremy nos tornamos os dois maiores enófilos do mundo. Apesar de haver apenas dois vinhos tintos harmonizando com os pratos da Chef Christine, provamos umas 5 vezes cada um deles, no mínimo...

A volta pra casa foi mais rápida ainda, devido ao estado de alegria do passageiro que vos relata. O grau alcóolico desapareceu quando chegamos ao restaurante e eu lembrei da cozinha inteira que teria que descarregar do carro...

Fui dormir à 1 da manhã, cansado, mas satisfeito. A rotina havia me dado folga. Mas espero que ela continue para que dias como esse voltem a acontecer...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

It's Evolution, Baby...


Salut!!!

Antes de tudo, peço perdão pela ausência nos últimos dias. Por incrível que pareça, minha mente resolveu entrar em férias sem me avisar. Uma situação até normal, haja vista que sou falível como qualquer mortal que agora me lê (ainda bem, pois a perfeição me levaria ao... nem quero saber onde ela poderia me levar.)

E o lado pensante me deixou na mão justamente no momento em que eu retornara à minha saga torresmianaauvin. Senti-me um pouco frustrado, duplamente. Primeiro pelo fato já citado e segundo por não conseguir pensar em algo relevante para escrever. Mas, de pronto, alguém diria: “Mas as duas frustrações não seriam a mesma coisa?”. Digo que não, meu caro leitor!!! A primeira é causa e a segunda a consequência, desesperadora, que maquina e corrói a cada instante que passa, aumentando o abismo cerebral do vazio.

Mas, aos poucos, as coisas vão se acertando, o desespero inicial dá lugar a uma aceitação de que não podemos tentar fazer o que não nos é possível em determinado instante. Deixei-me levar pela situação, pelo continuismo do tempo. E, assim, a sensação de criatividade inascível transmuda para uma fruição, sustentada principalmente por fatos novos que surgiram nos dias de ausência aqui.

Novamente o leitor me encurralaria, reafirmando o desejo de saber o por quê de sempre querer falar sobre coisas novas se eu tenho já assunto de sobra pra divulgar. “Só para citar dois exemplos, Lúcio: O Museu do Louvre e a viagem à Paris!!!”, diriam vocês... Concordo, e os mesmos já estão no forno sendo preparados. Agora, não posso tirá-los antes do tempo pois corro o risco de servir algo a vocês sem estar perfeito, com a textura correta e deliciosamente degustável. Imperdoável para quem tem o desejo de se tornar um Chef de Cuisine um dia...

No mais, Geraes...

Cada dia está sendo vivido com muita paciência e calculismo. Já me arrisco em dizer que transcendi o limiar da resistência mental humana. Isso porque tenho a plena certeza de que, agora, encontro-me resiliente (estimado leitor, caso ainda não conheça o significado do termo Resiliência, faça-me um favor ou melhor, faça um favor a si próprio, investigue o assunto. Você pensará e agirá de forma diferente após entender esse conceito e fazer uma análise pessoal).

O referido tema foi-me apresentado logo após minha chegada na França e foi indiscutivelmente fundamental para meu crescimento nesses últimos meses, em todos os aspectos. As virtudes continuam intactas e revigoradas; outras mais surgiram. O estilo de percepção de como encarar os desafios que o entorno me impõe foi reformulado. E a forma de projetar perspectivas futuras diante das adversidades presentes é que foi meu principal aprendizado.





Termino aqui esse post não com um conselho, mas uma afirmativa. Você não precisa aceitá-la, mas entenderá o recado perfeitamente: “O problema não é o problema. O problema é sua atitude com relação ao problema”

Minha mente tirou férias... tsc, tsc, tsc...

Como eu não resisto mesmo, um pouco de filantropia não vai me fazer mal. O link a seguir é da página do Google sobre Resiliência. Só dei o empurrão. Agora vocês deverão caminhar com as próprias pernas...

http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=resili%C3%AAncia&btnG=Pesquisar&meta=cr%3DcountryBR

Um abraço a todos...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Hôtel K & Restaurant l'Arnsbourg...

Aqui vai um vídeo para mostrar-lhes, mesmo que superficialmente, o local em que trabalho. É apenas uma introdução, pois mais vídeos virão posteriormente. Portanto, desfrutem um pouco de como é viver num "spa de luxo" na França (morando na França, rodeado de uma beleza natural indescritível e ainda por cima recebendo em Euros pra isso!!! hehehe...).

P.S.: Perdoem-me a sinteticidade do texto, mas é que o vídeo fala por si mesmo.

Abraço a todos...

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Multiculturalismo e Gastronomia

Ervin, Yoshiko, Kasuma, Eu, Mariana e Mathieu. Um holandês, dois japoneses, dois brasileiros e um francês. Todos sentados à mesa, dividindo experiências e ampliando conhecimentos. Como exemplo de Multiculturalismo já poderia, tranquilamente, parar por aqui. Mas posso ir além...

Além do francês e do inglês como línguas comuns a todos os presentes, temos português, japonês, holandês e alemão. Um “prato” cheio para se perder em meio a tantos idiomas num único ambiente. Todos falando ao mesmo tempo significa diversão extra.

O desenrolar do evento:

Subsídios para diálogos egoisticamente transversais – Após os cumprimentos formais (em francês, é claro!!!) e dos aperitivos servidos (diga-se de passagem, um Pinot Gris propício para começar a noite), Eu e Mariana já nos encontramos conversando em português, enquanto que Yoshiko e Kasuma entoam ideogramas em japonês. No outro canto, Ervin e Mathieu fazem um ensaio, em alemão, sobre um assunto qualquer. O princípio, como nos é, na maioria das vezes, desconhecido, força-nos a não nos expormos com tanta facilidade. À medida que o ambiente o acolhe e/ou que você mesmo se esforça para que isso aconteça, a perspectiva muda e, como dizem os franceses, “ça c’est un bordel!!!”. O bom disso tudo é que, como o ambiente era favorável (e quando digo ambiente englobo não somente o espaço físico, mas as personalidades presentes naquele momento), esse “début” não persistiu por mais que uns 3 minutos...

Afirmação do Multiculturalismo por força da Transversalidade – Quase que inconscientemente, a promiscuidade poliglota agora é real e cresce com tal força exponencial que o ápice é enquadrado pela seguinte situação: Yoshiko ensina japonês para Mariana. Mathieu, ao lado, se diverte com a situação e faz comentários em alemão. Kasuma prepara seus sushis com uma rapidez compatível a um ninja em combate e Eu converso com ele, em francês, sobre os ingredientes e modo de preparo dos pratos japoneses. Ervin, que momentaneamente não participa, “cutuca-me” com os pés e me faz uma pergunta em inglês. Respondo-o em francês, ao mesmo tempo que ouço Kasuma falando em japonês com Yoshiko, para que ela fizesse algo para ele. Mathieu, mais uma vez, se diverte com a sonoridade da língua japonesa e, verborragicamente, tenta imitá-los.

Pra finalizar, em determinado momento, Mariana me solta uma frase em japonês............. Fiquei mudo uns 3 segundos, tentando entender a mensagem que havia me passado e pensando em qual língua eu deveria conversar com ela e o quê responder!!!

Perdi o fôlego...

Só para ilustrar:

Português: Eu me chamo Lucio
Francês: Je m’appelle Lucio
Japonês: 私の名前はLucioである
Alemão: Mein Name ist Lucio
Holandês: Mijn naam is Lucio
Inglês: My name is Lucio

E assim caminha a humanidade...