quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

les grosses valises de la vie...


A última semana de trabalho foi de surpresas. Tudo que havia me consumido durante 7 meses e 20 dias transformou-se em um ócio necessário. Não por mim, pois queria manter o ritmo frenético para que os dias passassem rápido. Mas o que me pareceu acontecer foi uma mescla de “última semana de trabalho de todos os funcionários” aliado ao fato da “última semana de trabalho do estagiário Lucio”... Fui, entrelinhas, dissimuladamente, poupado... E não terei nenhum pudor em dizer que isso me deu prazer!!! Senti-me dono da situação... As ordens já não me eram impostas com a veemência diária... Mesmo assim eu continuava em meu ritmo normal, ritmo de estagiário de Arnsbourg... Como meu tempo fazia-se superior ao novo tempo imposto pelos meus “comandantes”, forçava-me a criar hiatos em minha jornada de trabalho. Coisas do tipo: “Lucio, por favor, não fique parado aqui!!! Encontre qualquer coisa pra fazer. Desça, vá pra outro lugar, procure algo; mas não fique aqui pois se o Chef aparecer vai reclamar!!!” hehehe... Nesse momento, regozijava-me de prazer interior... Lucio, o estagiário brasileiro, que nos primeiros meses de trabalho sempre foi questionado por não conseguir seguir o ritmo frenético dos franceses, há muito tornou-se rápido e eficaz em seus afazeres e, agora desafiava a ociosidade dos últimos dias do Restaurante l’Arnsbourg, prestes a fechas suas portas para as férias de um Janeiro frio de inverno...

Paralelamente ao meu gozo momentâneo, percebi que estava, nesse momento, perdendo a coisa mais importante que havia me acontecido nesse ano de 2007. Foi o suficiente para que minha mente entrasse em ebulição e calterizasse qualquer pensamento que fosse contrário a ela. Toda essa minha estória, que tem início em Maio, ganhou força ao longo dos meses e, sem perceber, absorveu-me de tal forma que, mesmo de olhos fechados, via-me preso à esse sentimento. Era um ciclo que estava se fechando e que eu não faria parte nunca mais. Mas, entrementes, tinha a certeza de que momentos felizes superaram a dor da perda momentânea, a falta de algo que eu queria muito e nunca poderei ter...

Quando abri os olhos para a realidade, já me encontrava no dia 30 de Dezembro de 2007, 23h00 e sem nenhum resquício de sono que me empurrasse para a cama. Malas arrumadas há 4 dias, check-list feito e revisado; bastava colocar a cabeça no travesseiro e esperar um 31 que seria longo e exaustivo... E podem ter certeza que ele foi; se foi...

Dormi às 02h30 para acordar às 05h30. Após a excitação dos últimos momentos em Arnsbourg, já me via lutando bravamente para descer com minhas duas malas de mais de 50 quilos cada. Três andares de escadas; eu disse três... não fosse a benevolência do estagiário Mathieu (que foi quem me levou à Gare de Niederbronn) em me ajudar a descer os dois últimos lances de escada, a epopéia poderia ser acrescentada como sendo o décimo terceiro trabalho de Hércules...

Malas no carro e o último espresso duplo pra “segurar a onda”. Ok!!! Estamos prontos...

Não!!! Não estamos prontos!!! Havia me esquecido que tinha deixado uma Champagne na geladeira do restaurante pra tomar com os funcionários e que não o fiz no dia anterior. Para presentear a boa vontade de Mathieu em me dar uma carona, brindamos meu último momento em Arnsbourg em grande estilo: uma Champagne Gosset Brut Grande Réserve...

Niederbronn Les Bains 07h03 – Strasbourg 08h04: sem nenhum problema, até porque o problema estava por começar...

Strasbourg 08h16 – Paris (Gare de l’Est) 10h34: como perceberam, tinha apenas 12 minutos para sair do trem de Niederbronn e embarcar no próximo para Paris. Fácil descer as escadas de uma plataforma, passar pelo túnel e subir as escadas pra outra, de onde sairia o trem. Não fossem as duas malas “malas” e uma mochila de mais de 10 quilos nas costas. Minha sorte foi o fato de o elevador da estação estar funcionando (geralmente está desligado). Viagem normal, com exceção da parada repentina do trem no meio do “nada”, a 15 minutos de Paris (pane geral no sistema de energia do veículo). Cheguei em Paris às 10h50, já um pouco estressado com o peso descomunal das duas malas. Problemas passados, problemas superados. Comecei a degustar os novos que já batiam à porta. Ir da Gare de l’Est até a Gare Montparnasse. 15 Euros para transportar mais de 700 Euros em livros de Gastronomia. Até que não reclamei!!!

Paris 12h05 – Vannes 15h14: Meu maior desafio diário. Como cheguei à Gare por volta de 11h45, permiti-me um lanche rápido, nada mais que um croissant e um espresso duplo (a jornada ainda pedia mais café). 11h55 resolvi seguir para o Voie2, no qual saia o meu trem. Tolo que sou, não percebi o número do vagão. Era simplesmente o número 20, o penúltimo em relação ao começo da plataforma (ou de onde eu estava, tanto faz). Começo agora uma prova típica de uma Olimpíada Grega. Esforço físico, rapidez, coordenação motora... Um “burro de carga” não faria melhor o que fiz para não perder o trem... foram 3 paradas do início do trem até o respectivo vagão no qual iria entrar... eu não acreditei que algum dia poderia presenciar uma situação dessas... cada parada para recuperar as forças nas mãos se deveu ao fato de eu não ter mais forças nem empunhadura suficientes para agarras as malas e continuar empurrando as mesmas pelo chão... em todas as 3 vezes os dedos iam escorregando, anestesiados, suplicando por descanso... quando cheguei ao vagão 20, dois franceses que fumavam do lado de fora, só faltaram me cumprimentar pelo desafio vencido e presenciado ao longo da plataforma... de imediato, sem nenhum pudor, recrutei-os para que me ajudassem a subir os “monólitos” que acabara de arrastar por, pelo menos, uns 350 metros... a felicidade deles foi interrompida com esse meu ato!!! Menos de 2 minutos para a partida, vi-me encurralado no corredor de entrada. Todos os compartimentos de bagagem já estavam lotados. Tive que deixar os “encostos” ali mesmo, na porta do trem, bloqueando a saída de todos quando o trem fizesse suas escalas em Le Mans e Rennes, antes de findar seu trajeto até Vannes. Tomei meu lugar no assento 56 (claro, de costas para o corredor onde minhas malas estavam). O que me fez virar de vez em quando para constatar que as “aberrações” estavam intocadas. Até que me senti incomodado com a situação e sai de meu assento, para compartilhar a viagem ao lado delas...

Vannes: cheguei sendo beneficiado pela plataforma (talvez uma ajuda superior). Da mesma plataforma que desembarquei já tive acesso à saída da Gare... Prontamente “esparramei-me” sobre uma mesa de um café, estacionei as “referidas” ao lado da mesa, saquei meu notebook e, ociosamente, esperei o ônibus que me levaria à La Roche Bernard às 18h25. Exatamente, cheguei à Vannes às 15h14 e meu ônibus saia às 18h25 para La Roche Bernard, meu ponto final... Três horas e onze minutos de muita paciência e meditação budistas...

Depois de um ônibus e uns 40 minutos de viagem, finco minha bandeira em La Roche Bernard, na região da Bretagne, às 19h05. Pra ficar esteticamente mais interessante, arredondo dizendo que foram 13 horas de muita aventura e esforço físico e mental...

Pra quem vivenciou quase 8 meses de estágio em Arnsbourg, o dia 31 de Dezembro foi um dia normal, como qualquer dia em que um viajante quase morreu em puxar suas malas...

Agora preciso de fôlego para o Reveillon... Porque o referido, pra mim e para as pessoas que fizeram estória atualmente em minha vida, só foi acontecer dia 02 de Janeiro... Logo logo irão entender perfeitamente o porquê de mudar essa data tão “importante” (SIC) para os seres humanos...

Um comentário:

Unknown disse...

Êta maratona, heim sangue!
Também quem manda carregar tanta bagagem.....
No final, tudo saiu beleza e deu certo.
Viu como é fácil?
kkkkkkkk
bjs