terça-feira, 26 de junho de 2007

Poisson³

La Poissonnerie: Local onde são trabalhados os peixes, frutos do mar e todos os insumos relativos à essa vertente culinária. Aqui também somos responsáveis pelo mise-en-place do Garde Manger e da Cuisine Chaude. Alguns exemplos são os pré-preparos das aves, rãs, molhos à base de peixes e frutos do mar, além de toda a alimentação semanal dos funcionários do restaurante.

Só para ratificar minha felicidade no novo local de trabalho: antes, na Pâtisserie, trabalhava de Quinta à Segunda, das 9:30h da manhã até às 4:00h da tarde e de 6:30h da noite até meia-noite. Total: 60h de trabalho por semana. A folga acontecia às Terças e Quartas-feiras. Já na Poissonnerie, trabalho Quarta-feira, de 1:00h da tarde até 7:00h da noite (o restaurante está fechado nesse dia e só ficam na cozinha trabalhando eu, Cedric, que é o Chef da Poissonnerie e Thomas, um jovem estagiário) e de Quinta à Domingo, de 6:00h da manhã às 4:00h da tarde. Total: 46h de trabalho por semana. As folgas acontecem às Segundas e Terças-feiras.

Após esse preâmbulo que ilustra bem um típico trabalhador brasileiro, sempre querendo levar vantagem em tudo, posso afirmar que meu primeiro dia de trabalho na Poissonnerie foi digno de um relato detalhado.

Quarta-feira, 20 de Junho de 2007. Jamais esquecerei esta data. Começamos nosso trabalho exatamente às 13:00h (francês gosta de pontualidade, além de estar sempre tentando ser mais rápido que o próprio tempo). Descemos à câmara fria de estocagem da Peixaria, fizemos o check-list semanal e subimos com os insumos que iríamos trabalhar. Montamos a praça de trabalho e Cedric me falou: Lúcio, comece com os Pigeon (pombo). Pensei comigo: “É moleza. Corta-se a cabeça, depois os pés e, por último, separam-se as coxas do resto do corpo”.

Apêndice matemático como complementação de minha argumentação, baseada no desespero momentâneo – Foi quando me virei para trás e me deparei com 14 caixas de papelão, com 10 pombos em cada uma delas... Cedric disse: “Você tem uma hora pra fazer isso”. Fazendo um cálculo rápido, são 2,333 pombos a cada minuto, ou 7 pombos a cada 3 minutos (como queiram os que defendem a questão de não tratarmos as aves como dízimas periódicas...). Foi aí que eu tive vontade de subir pro meu quarto, arrumar as malas e voltar pro Brasil!!!!!!!!! Puta merda, limpar 140 pombos em uma hora!!!!!!!!!! Esse cara tá louco!!!!!!! Durante uns 20 segundos de infinitos cálculos matemáticos que acabaram não me levando a nada, já me vi abrindo a primeira caixa, jogando o pobre do pombo sobre a prancha e deslizando a primeira facada sobre seu pescoço. Tive a sorte, nesse momento, de olhar para o grande relógio instalado na parede da cozinha e presenciar a hora exata do início da minha própria Inquisição Columbina. “Você, pombo, não foi fiel à meus preceitos religiosos matemáticos e, por isso, merece ser decapitado o mais rápido possível, mais precisamente em 25,714 segundos”. A cada cabeça, par de pés e coxas retiradas, meu computador neural processava as informações necessárias para agilizar esse processo. Sabe-se que uma pessoa cozinhando durante uma hora gasta, em média, 220 Kcal. Na primeira meia hora de trabalho eu, seguramente, já tinha gasto umas 500 Kcal, tal pelo esforço físico como pelo mental... A primeira hora se passou e eu já havia feito por volta de 80% do serviço... Cedric apenas olhou a situação e continuou fazendo seu trabalho. Eu, agora desafiado pelo rompimento da barreira que me foi imposta e imprimindo um ritmo de uma progressão aritmética, finalizei tudo em 1h e 07min.

Apesar de não ter obtido êxito na tarefa que me foi passada, senti-me realizado por tê-la feito quase no tempo (afinal de contas, o que são 07min a mais!!!). Cedric, calmamente, disse-me: “Lúcio, essa é sua primeira semana de trabalho; isso é normal. Na próxima, com certeza, sei que você será mais ágil nas tarefas. Quarta-feira que vem você conseguirá fazer em 50 MINUTOS... Eu, fatigado e com as mãos sujas de sangue, tive vontade de rir nesse momento!!! Apenas tive vontade porque o dia seguiu no mesmo ritmo frenético da primeira hora de trabalho e eu consegui sair vivo dele, afinal de contas não sou e nunca serei um pigeon de 25,714 segundos; dá próxima vez, terei que sê-lo de 21,428 segundos...

A semana passou numa velocidade compatível com o frenetismo francês. As ressalvas a serem comentadas, en passant, são as técnicas de cozimento, limpeza e cortes do Homard (lagosta especial da costa Bretã e considerada um dos frutos do mar mais saborosos) e também as técnicas de trabalho com trufas negras. Como não tive oportunidade de fotografar tudo isso, o assunto será detalhado na postagem da próxima semana...
A lição que tiro dessa semana e que repasso a todos vocês que me lêem é que: “enquanto o esforço é reconhecido, tenha certeza que o que faz é correto e no tempo exato”, afinal de contas, Ad impossibilia nemo tenetur ou, em bom português, ninguém é obrigado a fazer o impossível...

4 comentários:

lou disse...

Vê se para de me assustar. Não sei se rio ou se choro.
Deus vai renovar suas forças...
bjs, lourdinha

Cassiano Rabelo disse...

Pô Lucius!! 25 segundo pra decaptar um pombinho?! Me dá uma serra elétrica q decapto todos eles e ainda o Cedric e o Thomas (o jovem estagiário) em uns 12,567 segundos. Se tiver mais uns 20 segundos ainda parto pro salão do restaurante e "arremato" quem por lá estiver. :)
Grande abraço proce!

barbara disse...

gente, lúcio! que sucesso... eu, claro, me deleitei com a história como qualquer um, mas, aficionada pelas letras, me deleitei com o potencial narrativo! que sucesso!

Amanda Alves de Melo disse...

Ei primo,

Saudades de você. como está aí? Aqui estamos de mudança para São Paulo, quando voltar, pára lá em casa tá?

Bjs